DE PARKINSON PARA PARKINSOUND

Conheça a orquestra que transforma doentes em músicos e lança novas luzes e nova esperança, sobre o tratamento da doença de Parkinson.

A história da Parkinsound tem talvez o início mais improvável de todos os projetos de orquestra: começa com uma médica neurologista, um músico... e vários doentes com Parkinson.

Há cerca de 4 anos, Margarida Rodrigues deu por si a cumprir um sonho de infância: cantar no coro de uma orquestra comunitária. O que parecia ser mais uma experiência para contar à família, amigos e, um dia, aos netos, acabou por servir outro propósito. Margarida é médica neurologista, especialista na doença de Parkinson e investigadora científica. Enquanto cantava, surgiu-lhe a ideia de usar uma orquestra comunitária para tentar recuperar os seus doentes. Tanto o seu ânimo, como alguma mobilidade.

Para qualquer pessoa, parecia uma ideia absurda. Doentes com doenças neurodegenerativas não parecem os candidatos ideais para tocar instrumentos musicais.
A doença de Parkinson é conhecida por ser incurável, degenerativa e estar associada à lentidão, rigidez, tremor e diminuição do controlo dos movimentos. Uma vez diagnosticada, é recebida com medo, dada a incapacidade que desencadeia ao longo do tempo. Uma das características é a dificuldade de se fazer duas tarefas ao mesmo tempo. O que inviabiliza tocar um instrumento – ou não?...

 

Para Margarida Rodrigues era um não. Participar numa orquestra seria um desafio cognitivo estimulante para os seus doentes. Implica tocar um instrumento, seguir instruções, estar atento... ou seja, efetuar multitarefas. Valia a pena acreditar e arriscar.

No fim do concerto, foi falar com Pedro Santos, o maestro responsável. Pedro ficou intrigado e fascinado. Tinha concluído um curso na Casa da Música do Porto que lhe deu ferramentas para trabalhar musicalmente as singularidades de cada pessoa, e esta era mais uma excelente oportunidade para explorar artisticamente essas características únicas.

 

Deste encontro entre uma médica e um músico nasceu, não uma, mas duas histórias de amor. Dos dois pela Orquestra Parkinsound. E de um pelo outro – a prova de que o amor acontece nos projetos mais improváveis.

Margarida incentivou os seus doentes a participarem e contagiou a comunidade científica para desenvolver um estudo sobre o projeto. Pedro obteve o apoio da Câmara Municipal de Braga que apoiou o projeto financeiramente e cedeu as instalações de um dos maiores auditórios da cidade. Lançou também as mãos à batuta e começou a ensaiar com os doentes. Alguns não sabiam tocar qualquer instrumento, mesmo antes da doença. Tiveram de aprender do zero.

 

Os primeiros ensaios pareciam caóticos. Muitos desanimaram. Sentiam-se constrangidos, envergonhados. Mas, pouco a pouco, começaram a perceber que este era um caos que precedia a harmonia. Instalou-se uma onda de entusiasmo. Este concerto era uma oportunidade única de provarem a si próprios e às famílias que ainda tinham valor.

O primeiro concerto foi, por isso, um momento histórico. Foi um sucesso, a todos os níveis. O público estava em pé a bater palmas. Foi amplamente divulgado pela imprensa. Era a confirmação de que a ideia improvável de Ana Margarida Rodrigues e de Pedro Santos tinha cabeça, braços e pernas para andar: apesar da doença de Parkinson, os seus doentes podiam ser músicos numa orquestra. A doença inibia a mobilidade, mas não a arte, nem a esperança.

 

Um dos pontos altos do concerto foi dado por um dos pacientes mais improváveis. Chico Baquetas, antigo baterista de jazz de Braga, chegou de andarilho, cheio de tremores. Não parecia ter as condições mínimas para tocar. A família temia o pior. Mas quando lhe deram as baquetas para as mãos, teve um desempenho a solo que fez a sala vir abaixo. A família comoveu-se. Os restantes músicos estavam deslumbrados. O saudoso Chico entrou de andarilho, mas saiu em ombros.

Com o sucesso do concerto da Parkinsound, as portas do futuro abriram-se. Muitos concertos foram pedidos. Novos concertos foram programados. Não só em Braga, mas está a ser cuidadosamente avaliada a sua expansão para outros pontos do país. Da análise científica feita, documentou-se melhoria numa escala clínica. O projecto científico foi apresentado em reuniões nacionais e internacionais e foi distinguido com o prémio de melhor trabalho de investigação clínica pela Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento.

A Orquestra Parkinsound é hoje uma embaixadora nacional das potencialidades dos doentes com Parkinson, promovendo o investimento na sua investigação científica e passando a mensagem de que há uma nova vida depois da doença.